Gatekeeping na prática: uma experiencia no Mestrado de Jornalismo
Um dos conceitos mais importantes que estudamos em Teoria da Notícia, é o conceito de Gatekeeper, uma tarefa assumida pelos meios de comunicação, geralmente feita pelo editor dos jornais, ao selecionar e filtrar quais informações são disseminadas para o público. Em sua essência, gatekeeping é o processo pelo qual editores e, até os próprios jornalistas, atuam como "porteiros" da informação, decidindo quais notícias, eventos ou fatos são relevantes o suficiente para se tornarem em conteúdo jornalístico e quais serão excluídos do fluxo comunicativo destinado ao público. Essa seleção não é neutra, mas influenciada por múltiplos fatores internos e externos à profissão, o que torna o gatekeeping um elemento-chave para entender a construção social da realidade jornalística.
Os valores-notícia são muito associados ao gatekeeping, são características que os acontecimentos podem ou não ter, que ajudam os jornalistas a determinar se aquilo vale a pena ou não se tornar notícia. Para o repórter, a sua notícia pode cumprir certos valores notícias que a legitimam como algo que vale a pena ser publicado, mas o editor pode não ver da mesma forma. Tem de se ter em conta que diferente dos jornais digitais, ubíquos e instantâneos, os jornais tinham espaço físico limitado, onde o editor tinha de decidir o quais noticiais tinham importância o suficiente para entrar ou não. Mesma coisa com o jornalismo televisivo e radiofónico, com tempo reduzido, têm de passar por essa etapa.
Com a evolução tecnológica e o advento da internet, o modelo tradicional de gatekeeping passou por transformações significativas. Antes, os meios de comunicação tradicionais tinham o controle quase exclusivo sobre a circulação de informações, decidindo o que era ou não, notícia. Contudo, a popularização dos meios digitais e das redes sociais fragmentou esse controle, permitindo que uma multiplicidade de atores como cidadãos comuns, influenciadores e veículos independentes também exerçam funções de gatekeepers, compartilhando e filtrando informações para seus próprios públicos.
Assim, fica claro que o gatekeeping é um dos conceitos mais importantes do jornalismo, é algo que envolve muita prática e experiência para fazer e, por isso, geralmente a responsabilidade cai sobre os editores. Mas como passar essa ideia na prática para alunos de jornalismo? Recentemente no Mestrado de Jornalismo da Universidade da Beira Interior, eu e meus colegas tivemos a oportunidade de fazer um jornal. Recaiu sobre dois alunos a responsabilidade de ser editores desse jornal, tendo que decidir a ordem das reportagens no jornal e, o mais difícil, a formatação da capa.
Como um dos editores, neste blogue eu prendendo fazer um relato sobre a experiência, comparando com o que foi dito em aula.
Os valores-notícia dão uma base para termos noção do que é mais relevante, mas só ajudam até um certo ponto. No caso do jornal universitário, como todas as reportagens foram feitas num âmbito local, elas seguiam mais ou menos os mesmos valores, então ficou a dúvida na hora de decidir a ordem: "ordenamos por qualidade ou pelo que achamos que o público gostaria mais?"
Dentro dessa pergunta, entramos na discussão do interesse público vs interesse do público: será que a nossa capa deve ser ditada pelo que atinge mais audiência ou nós devemos manter o que consideramos que segue os valores jornalísticos? São muitas perguntas que vão surgindo no processo de decisão, que não é fácil.
Por fim, nós procuramos atingir um equilíbrio entre a qualidade das peças e o valor que elas poderiam ter perante o público, ouvindo o feedback dos jornalistas para tomar a nossa decisão final. No caso dessa experiência, nenhuma reportagem ficou fora da capa, então foi mais um "gate organizing" do que gatekeeping, mas pelo menos ficou a ideia de que a seleção do que é importante ou não vai muito além de padrões impostos previamente.
Essa experiência prática reforçou que o gatekeeping é um processo subjetivo, coletivo e profundamente ligado ao contexto, que exige sensibilidade editorial, conhecimento dos valores-notícia e responsabilidade ética com o público e os próprios jornalistas. Essa dimensão prática permite compreender, de forma mais profunda, como se constrói a mediação jornalística e o papel crucial que os jornalistas desempenham na filtragem da informação.
João Lima
Paulo Nunes
Paulo Perestrelo